Tirando o pó à casa

Olá.

Confesso que, acima de tudo, é estranho estar diante desta folha branca do Blogger. Afinal, ainda há gente que usa isto em pleno 2025? Pois é: se em 2018 eu pedia desculpa por me ausentar durante cinco meses, imaginem então as súplicas que tenho que fazer agora, que se passaram sete anos!

Sem gozos, comecei isto um pouco por volta do final do 12º ano e tinha-me ausentado por causa da faculdade. Agora, sete anos volvidos, olho para trás e vejo que houve tanta coisa que deixei para trás. Desde caras, a laços, até ao meu caderno azul de poesia que, esperançadamente, ainda jaz com alguém que me é meio próximo do coração, mesmo não tendo falado com a dita pessoa há uns bons dois, três anos. Eu admito que houve bastantes alturas onde larguei a escrita, ora por algumas semanas, ora indeterminadamente, apenas para voltar meses depois, e até num caso, quase dois anos depois. 

Contudo, eis-me aqui, resoluto na minha intenção de continuar a pegar na caneta (ou no teclado, já que estamos numa era digital e eu já não tenho o afamado caderno) e ver se resusscito este pedaço da minha pegada digital que persiste agora e sempre, que nem uma certa aldeia Gaulesa. Não hesito em dizer que nem sei bem o que quero disto - no ínicio, era uma forma de eu dar-me a conhecer, uma forma de saciar a minha sede por reconhecimento, uma face que luta contra o desejo de vida pacata e discreta; mas agora é uma forma de eu redescobrir a poesia e como escrever. Tenho o (des)gosto de admitir que passei muito destes sete anos perdido em mim mesmo e quando escrevia, abdicando do liricismo em favor da prosa. Não sei se hei de postar isto aqui numa página à parte, mas é provável que não. Ainda é algo meio experimental e estou até a pensar em reescrever para adicionar mais a cada capítulo para que não seja apenas uma página por entrada, mas eu perco-me. 

Voltando aqui à questão, houve um poema que escrevi numa altura destas - até foi da vez onde larguei o caderno durante um par de anos - e que, até agora, ainda é dos meus favoritos:


"[Ela] Completa-me (e outras provas de amor)"

Pouso a mão.

Cansada, deixa escapar a caneta, gasta da década.
E um suspiro, talvez de alívio, talvez de sossego
sai dos meus lábios secos e quebrados.

A folha manchada de sangue azul e de cinza abana
sedutoramente, como se me dissesse
“completa-me”
porque só eu o consigo fazer.
Mas a mão, cansada, recusa-se.

E eu, cansado, paro.
Ela, de olhos baços, sussurra-me “completa-me”,
Mas eu já não sei como o fazer.
Perdi o jeito – o único que o conseguia fazer.

Ela, pálida, treme suavemente.
Inacabada, incompleta, mas linda
E sempre linda, inegavelmente assim,
Com o corpo tatuado por mim
Uma prova de amor, eterna.

O tempo passou.
Ela diz-me, num sussurro lânguido
“completa-me”
E eu aprendo de novo como fazê-lo.

Levanto a mão.

[19 Setembro 2021, 23:41]


Penso que noutra postagem mencionei de leve o conceito de "fases". Na realidade, quis sempre separar diferentes alturas onde escrevia por "fases", a quem dava um nome e um estilo gráfico particular. Nada de relevante, no fim do dia, só algo mais visual para mim. E este é o primeiro da fase 3, "O Espelho da Serenidade", algo que correu de 19 de Setembro de 2021 até 23 de Maio de 2022, um par de semanas depois de ter acabado a faculdade e a minha vida deu uma reviravolta. Olhando para trás, nada de anormal comparado com a minha rotina atual, mas na altura, uma mudança que a minha cabeça de chimpanzé não era capaz de processar em condições. 

Regressando aqui ao poema, é mais um na longa lista de vezes em que personifiquei algo, neste caso, o poema em si. Do repertório todo em que me lembro de ter feito tal coisa, este é porventura o mais abstrato, e aquele que eu nutro maior orgulho. Sempre fui fã de conceder pausas de "respiro" para alicerçar a narrativa e a velocidade da leitura, daí o verso inicial ser isolado e algo que transmite a ideia de paragem. Este "Pouso a mão" não é só um pousar literal, é um ébrio repouso, uma mão que finalmente pára de escrever e abandona aquilo que sempre fez. É uma mudança da rotina, uma mais séria e inesperada. Uma que merece ser destacada pela estranheza da decisão. A estrofe que se segue só suporta o comentário e deixa no ar se isto é uma decisão própria ou de força maior. Um suspiro de alívio? Ou um suspiro de resignação? Eu confesso que foram ambos. 

Conferir a cor da típica caneta BIC ou lápis HB2 ao sangue desta personificação reinforça ainda mais a dita figura de estilo. E páira no ar a ideia de que isto é algo que só a mão pode fazer - algo que só o sujeito lírico foi feito para fazer. Como disse, este poema foi feito como uma reflexão invariável de regressar à poesia após uma longa separação, e todos os sentimentos que possuía em redor disso, nomeadamente o de que isto era a única coisa que eu era capaz de fazer, que era "bom". Agora, nem sinto que sou bom nisto, mas nem ligo já a essas ideias. Separando "a mão" do "eu" cria a divisória de que a poesia é parte de mim, mas não é o meu todo. É algo que uso diariamente (na altura), mas é apenas a ferramenta perfeita que está sempre do meu lado. E por vezes, algo que tem vontade própria, que ri e chora de livre vontade. Algo que recusa completar o texto, responder a esta "ela". E pela quarta estrofe, não ofereço mais resistência. A poesia é linda. O poema é belo. Mesmo inacabado. E lá no fim resigno-me, com novamente um indicador de controlo temporal, a dar uma perceção particular de velocidade com "O tempo passou" a abrir a quinta estrofe. Escrever poesia é como amar o papel, é declarar a alma diante de uma pronta a receber tudo o que podes oferecer. E isso sim, acaba por ser a pedra angular do poema. 

Faço agora, neste blogue, como fiz neste poema. Eu "levanto a mão" e volto a escrever. Não prometo que vá ser muito ativo, mas decerto não esperarão cinco meses, muito menos sete anos a ouvir de mim de novo.

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