Um pequeno momento de (in)sanidade

Uns dias depois da última publicação, o meu tio morreu.

É cómico o que a vida nos dá. Às vezes é como sorrir com todos os dentes partidos. Às vezes, são dias melhores. 

Eu digo isto porque mesmo quase dois meses depois, ainda processo a situação. É completamente brutal, do género "silêncio opressor", que alguém que ainda nem tinha 70 anos falece. São daqueles momentos onde de repente a noção de mortalidade se aproxima de ti e te faz relembrar que não és invencível nem eterno. Que cada segundo que passa é mais um passo para a cova. Tempo que nunca vais reaver. E, como todo o ser humano, deixa-me deprimente pensar no que será viver a morte, se tal oxímoro existe.

Nem sabia bem o que escrever para o próximo post aqui, mas com isto tudo, nada mais me veio ao de cima. Apesar de achar que aprofundamentos mais (pseudo) filosóficos seriam melhor servidos naquela prosa que julgo ter mencionado da outra vez, não me constrange fazer este desvio célere para tal.

Não tinha bem um poema que achasse que tocasse neste tópico decentemente. Não creio que aquele que fiz como forma de luto e de processar a coisa ficou algo decente o suficiente para ser partilhado, por isso ofereço a segunda melhor opção:


“Bruma”

Inspira. Expira.
O amanhã é incerto.

Não te esqueças de respirar.
O futuro está perto.

Não deves o pânico tomar conta de ti.
Senão perdes-te na bruma.

Serena-te.
Ou o caminho se esfuma.

Fecha os olhos.
Não estás sozinho.

Inspira. Expira.
É só mais um caminho.

[23 Setembro 2021]


É claro que já quase quatro anos depois é difícil eu deslindar o que me ia na cabeça quando escrevi isto, e por conseguinte, a ideia original. Mas, imaginando-me novamente na altura, "Bruma" foi escrito como um mantra, algo mais para acalmar nervos e a ansiedade que sentia ocasionalmente. E aqui, sinto-o apropriado para me relembrar que apesar do fim ser inevitável, é apenas mais um caminho a percorrer na grande jornada que é a vida. Perder-me no meio da bruma da incerteza devido aos nervos e tremores de espírito é receita certa para me aproximar um pouco mais do Derradeiro. 

Relembra-me sempre que, mesmo que uma morte na família vá sendo cada vez mais comum à medida que o tempo marcha e ninguém tem mãos para o segurar, conseguir manter os pés firmes no chão apesar de tudo é o mais importante. O caminho não se vai percorrer sozinho e perder o fio à meada porque o caminho de outrem chegou ao destino final não deve acontecer. 

Não sei. Ainda fico um pouco em claro durante a noite a pensar na casa que agora está vazia e silenciosa. Às vezes ainda consigo vê-lo lá sentado na cadeira, a olhar para os montes nas tardes de Verão. E ainda penso que ele há de entrar porta adentro quando estamos lá a limpar a casa e a tratar dos afazeres que ele cá deixou. Mas a realidade é cruel, agora e sempre.

Prometo que da próxima vez trago algo mais leve. Talvez comece a postar cá aquela prosa a ver se mais gente a lê e me dá o tão necessitado feedback. Fica para amanhã.


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