Influências - Antero de Quental e Cesário Verde

As minhas influências estendem-se largamente pela maioria dos autores portugueses principais, como Antero, Cesário, Luis de Camões (apesar de neste último ser mais atraído para o seu caráter épico e não lírico). Eu aprecio a literatura portuguesa, apesar de (na minha opinião) ter sido a do passado a causar o maior impacto na cultura portuguesa. Por exemplo, Os Maias são um bom exemplo disso, com as suas críticas à sociedade oitocentista superficial e decadente. Posso ainda ir mais atrás na crítica à sociedade com Gil Vicente, com a expressão ridendo castigat mores, que significa em termos gerais "rindo se castigam os costumes" ou "corrige os costumes sorrindo". Apesar dessa expressão latina não ter sido na verdade usada por ele, é a que mais exemplifica os seus Autos, sobretudo o Auto da Barca do Inferno ou A Farsa de Inês Pereira. Mas não vou aprofundar muito Gil Vicente, afinal, não é dele de quem quero falar aqui, mas sim de Antero.

Antero de Quental é um caso particular como influência na minha poesia, porque ao contrário de Fernando Pessoa (ou do Romantismo, como expliquei no post anterior), nem ele nem Cesário tiveram "mão direta e duradora" no que escrevo. Tenho dois poemas que se nota o "anterismo", mas só são esses dois poemas (mas propriamente seria dizer só um, porque um deles é uma Ode a Antero). Era o que eu pensava até ontem, quando estava a dar uma vista de olhos em tudo o que escrevi, onde encontrei um poema que posso dizer que tem meia influência de Antero, isto é, há lá um pouco de Antero, mas não totalmente, como no meu poema "Efémero":

"Efémero"

No imperfeito do ideal,
por sombras do existencial,
qual devaneio louco duma mente
insana, que não consente.

"Efémero é o nosso ser", pensou,
Lá na realidade de outrora.
Uma casa em ruína restou,
tantos anos, quem lá mora?

Ilusões criadas no anonimato.
Foi Deus? Fui eu? Quem as cria?
Da escuridão do desespero fugia.
"Será que eu sou um pensador nato?"
Não sei já o que é o mero
real, tudo é efémero.

[Maio/Junho 2017]

Este poema aborda as temáticas e expressões que vulgarmente figuram na poética de Antero, como "imperfeito do ideal" ou "sombras do existencial". Já um ano se passou desde que escrevi este poema, mas creio que foi largamente inspirado pelo poema "Tormento do Ideal".
Em largos traços (porque sinceramente não me lembro de cada verso específico, ou se este sequer tinha significado por trás e não escrever por escrever, que é algo muito recorrente nos primeiros poemas que escrevi em 2014-2015 (quando estava no 9º ano) o poema reflete (sem eu saber disso na altura) um pouco da filosofia do Existencialismo, com as perguntas no primeiro terceto, e um pouco possivelmente da futilidade do esforço de Ricardo Reis (eu juro que sou muito idêntico a ele) com o verso "Efémero é o nosso ser" (verso 5), remetendo para a efemeridade da vida apregoada um pouco por Reis. 

O poema que eu dizia que só se podia considerar como metade "anterista" chama-se "Desvarios Interiores", e na minha opinião é um dos melhores poemas que tenho na fase onde foram escritos (falarei disso no futuro):

"Desvarios Interiores"

Olho para o vazio dos meus sonhos
enquanto a pálida lua ergue-se no negrume.
Perco-me em perceções, horrores noturnos.
Este fogo me enlouquece, mas aproximo-me do lume

Olho para o céu fictício dos meus
desejos, qual telhado de vidro espelhado
de mim-mesmo. Sou como um deus,
um anjo caído, rejeitado.

E neste devaneio a vida passa por mim.
Sou eu que uno todos os que conheço?
Ilusão da qual não quero sair
Grito, silenciosamente, "quero-me completar"

Uma trindade pessoal ruiu, sim,
e deixa o ciclo humano do avesso.
E a luz ofuscante começa-me a cobrir.
Não sei se a vida acabou ou se está a começar.

[Janeiro/Fevereiro 2018]

A primeira estrofe é a que mais mostra a temática de Antero, com o uso de "perceções" e uma distopia clara com "vazio dos meus sonhos". Foi este poema que começou a minha temática do "ser incompleto/fragmentado", como se vê ao dizer "quero-me completar". Mas o que acho que detém a maior riqueza neste poema é a última estrofe. Vamos por partes: a "trindade pessoal" refere-se à trilogia corpo-mente-alma e ao dizer que ela ruiu, digo que uma destas partes (ou mais) não estão no equilíbrio normal que deveriam estar, levando a consequências como uma mente insana, corpo doente ou uma alma morta, mas a principal é "deixar o ciclo humano do avesso", isto é, a própria vida. É claro se nós tivermos um desequilíbrio mental ou físico a nossa vida perde qualidade, "deixa-nos do avesso". Os últimos dois versos são baseados na "luz ao fundo do túnel" e na teoria que na verdade a luz que vemos quando morremos é a luz do quarto do hospital quando nascemos, ou seja, uma reencarnação quase instantânea. Foi disso que quis falar nos versos finais, porque na altura que escrevi este poema não estava totalmente bem psicologicamente (depressão e afins), e o último verso remete essa ideia, de "nascer de novo", abandonado o passado.

Para finalizar as influências que Antero teve sobre mim, deixo a dita Ode que escrevi, em homenagem a um dos melhores poetas, se não o melhor, do século dezanove:

"Ode a Antero de Quental"

Um líder nato sempre foste, com razão
As tuas "Odes Modernas" foram a "voz da revolução"
Insurgindo-se contra a ignorância de Portugal!
Oh! No teu espírito o tormento do ideal,
angústias que se apossam da tua mente,
alucinações e terror, somente!
Mas entre vazios negros, o "Cenáculo" existia,
o teu círculo de amigos amantes da poesia.
Porém não te demoveu do teu devaneio mental
que se revelou, no fim, um prognóstico fatal:
Numa noite de Setembro, no teu revólver pegaste
e nas badaladas do crepúsculo, te suicidaste

[Outubro de 2017]

Quis a ode como "biografia" da vida dele, falando do seu tempo como líder dos estudantes quando andava na Universidade de Coimbra, referindo obras escritas nesse tempo (Odes Modernas); referenciando poemas (Tormento do Ideal) e sobretudo o Cenáculo, onde figuravam outras celebridades literárias como Eça de Queirós e Ramalho de Ortigão.

Outra influência, embora não tanto presente, é a de Cesário Verde e os seus "Cânticos do Realismo". Quando digo "não tanto presente", quer dizer que na verdade só dois poemas é que tem mão dele por detrás. Esses dois poemas são únicos comparados com os outros, porque são um reflexo um do outro, como um espelho. Um fala da vida quotidiana durante o dia, e o outro durante a noite. Ambos têm o mesmo número de linhas, com a estrutura quase idêntica, isto é, se há uma linha a falar da lua, no seu inverso essa linha falará do sol. Claro que podemos assumir esses dois poemas como "filhos" do "Sentimento dum Ocidental", pela sua temática. Sem mais delongas, apresento-vos "Sono Diurno" e "Sono Noturno":

"Sono Noturno"

A lua ascende por um céu de luto.
Por ruas de silêncio avista-se um vulto
que se move sem se mexer.
Ele está sentado numa almofada,
atrás um saco de pó de cor dourada.
Mas quem será? Toca a badalada
num sino de igreja. A luz começa a empalidecer,
refletida nas poças de água diáfana
pelos becos empestados da mente insana.
Delinquentes e ratos assemelham-se a um só.
Sem-abrigos recebem a esmola por dó
por aqueles que têm coração.
O homem da almofada torna-se ascendente,
Por este mundo espalha o seu pó reluzente
O seu nome era João.

[Novembro 2017]

"Sono Diurno"

O sol ilumina o céu azul infinito.
Nas praças as ciganas anunciam por tão pouqito
que aquela roupa tão boa custa.
Nas ruas o som dos pombos e pardais,
sons tão vulgares e naturais.
Quem repara? São aves como as demais
outras tantas. Na rua, estar assusta,
o ar torna-se abafado nestas horas,
pelas ruas onde tu lá moras.
Por uma janela lanço o meu olhar.
Oxalá o calor pudesse passar
porque eu quero sair.
Com bater de asas as aves retiram-se,
e mal acontece isto, admirem-se!
No céu o sol começa a cair.

[Novembro 2017]

O "Sono Noturno" fala da lenda do João Pestana, que voa pelos céus numa almofada, espalhando o seu pó dourado que traz os bons sonhos, enquanto olhando a cidade e os seus becos. O "Sono Diurno" apresenta duas temáticas de Cesário Verde: a crítica social, ao reparar nas "ciganas" e as suas anunciações conhecidas e um pouco do observador acidental, com "por uma janela lanço o meu olhar". Esse verso é muito inspirado noutro poema de Cesário Verde, "Num Bairro Moderno", onde ele, sujeito poético, põe-se a olhar para dentro das casas pelas janelas.

Apesar de Cesário Verde ser um grande poeta, não é das maiores influências que tive na poesia, como se vê com apenas ter conseguido dois poemas baseados na sua temática, ao contrário de Antero, cujas temáticas vão e vêm de vez em quando naquilo que escrevo, involuntariamente.

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